Fazer teatro em grupo é um espetáculo!
Você já se perguntou porque faz teatro? Que necessidade: interior ou exterior (ou as duas juntas) faz com que sinta vontade de estar em um espaço de representação: palco, praça, salão? Muitas reflexões tentam dar conta destas e de outras tantas questões. Entre os séculos XVI e XVII, o espanhol Lope de Veja, um grande autor de textos teatrais, teria afirmado que a essencialidade do teatro pressuporia: “Dois bancos, quatro tábuas, dois atores e uma paixão.” Beleza de definição...E não é que é isso mesmo?!
Não se pode chamar paixão, também, à necessidade de desenvolver uma nova forma de expressão e de interlocução (conversa indireta, porque o ator não fala diretamente com a platéia, mas relaciona-se com ela?) Será que não é essa paixão de comunicar-se com seus semelhantes e de mostrar – através da representação - tudo aquilo que se sente e se pensa – que se caracteriza em um dos motivos mais fortes para fazer teatro? Bem, pelo menos, e até onde se sabe, tem sido assim na maior parte dos casos, sobretudo entre os amadores. Claro que hoje, e especialmente no Brasil, a televisão induz muita gente a buscar o teatro para conseguir chegar até as telenovelas. Mas esse é um assunto que não vale a pena tratar aqui.
Vale a pena recuperar outras questões, porque tem preconceito no pedaço. É preciso saber que desde muito, muito tempo, quando se usa a expressão ‘teatro amador’, essa idéia refere-se a duas coisas: primeiro, a uma prática daqueles que não são profissionais (que não têm registro de profissional, porque não fizeram uma escola); e, segundo, o que é pior, a uma prática de quem não sabe fazer bem o teatro... Essas idéias, que não são verdadeiras, são extremamente complicadas e, infelizmente, muita gente bacana e simples, e que faz teatro amador, pensa assim. Inicialmente, o conceito de amador referia-se àquele que fazia teatro porque amava a linguagem teatral. Praticava o teatro por necessidade, paixão, para aproximar-se de modos diferentes de seus semelhantes. Mas esse conceito, que é verdadeiro, está perdido.
Ao estudar a história do teatro, tem-se a confirmação de que o povo nunca pediu licença a ninguém para praticar essa linguagem artística. A cultura popular existe porque o povo se cola e (beleza!) transforma suas próprias tradições. Teatro, para os artistas populares, foi uma forma de gozar e de denunciar os poderosos; de aproximar-se de seus deuses e humanizá-los; de reiterar seus prazeres e desejos mundanos e espirituais; de expandir e cultuar suas crenças, antepassados, tipos humanos e tradições; de reiventar procedimentos para construir relações de prazer e de diversão... Por falar em história do teatro, muitos escravos e negros forros fizeram teatro no Brasil, desde o século XVII, entretanto, é raro ter o registro de seus nomes nos manuais. A chamada democracia racial, como se sabe, existe em discurso e em lei, mas não é praticada de modo geral. A situação da prática teatral no Brasil é tão complicada que, na maior parte dos casos, os livros de panorâmicas teatral apresentam o nome de João Caetano (1808-1863) – que era branco (e descendentes de portugueses) e pertencia à Guarda Nacional –, como o ‘primeiro ator do Brasil’. Assim, os negros que fizeram teatro no Brasil, nos séculos XVII, XVIII e XIX, fora raríssimas citações, sobretudo no último desses séculos, não figuram de lugar nenhum.
Ernst Fischer, importante teórico das artes, afirma, no excelente livro A necessidade da arte, que o ser humano faz arte porque tem necessidade de ‘ser mais’ do que simplesmente ele mesmo. Ele precisa exprimir-se e produzir, tomando os sentimentos, a sensibilidade, os anseios, seu conceber idealmente o mundo. Para isso, o ser humano precisa compartilhar, juntar-se, em processo, a outros tanto contemporâneos (e que estão ao seu lado) como aqueles do passado, recuperando suas experiências e descobertas. Materializa a idéia do ajuntamento – nas artes coletivas, como é o teatro – a perspectiva de uma união dando força ao conjunto e, também, a cada indivíduo. Nesse sentido, basta lembrar o quanto certas pessoas contribuíram para nosso crescimento pessoal: para que a gente conseguisse olhar as coisas com outros olhos, para que a gente mudasse de opinião, para que a gente gostasse de algo que não conhecia...
Claro que o grupo é fruto de inúmeros conflitos, mas, em se querendo mesmo fazer arte e se estando inteiro e de verdade nesse trabalho, o grupo é a única maneira de se produzir um trabalho de modo mais conseqüente. Um grupo democratiza a palavra, as idéias, os processos de trabalho... O teatro é uma arte coletiva por excelência. Mesmo se se fizer um monólogo, alguém escreveu o texto, alguém dirige, alguém manipula equipamento de som e luz (quando for o caso), alguém fez o figurino etc. Verdade que tem indivíduos que querem fazer tudo isso sozinho, mas, normalmente, quando isso acontece, e para dizer o menos, o espetáculo sai desastroso.
Pois é: dividir é bom e gostoso. Faz com que a gente melhore, fique mais paciente, aprenda a discutir e a argumentar. Mais e junto com tudo isso, ao facilitar aproximações, o teatro desenvolve nossa capacidade de percepção e de imaginação; amplia nossa auto- estima, a autoconfiança, promove a descoberta dos valores de nossa comunidade! Afinal, é claro que o artista quer mostrar seus sentimentos para o mundo, mas antes disso, precisa fazê-lo para sua comunidade!!! Se nós não mostrarmos quem somos ninguém o fará por nós. E essa é nossa parcela de responsabilidade. É essa nossa busca de identidade! Nossa comunidade se parece a múltiplas outras, mas tem particularidades próprias. Tem um modo de ser, tem uma mentalidade singular, tem necessidades próprias. Descobrir esse berço comunitário e a memória cultural onde estão a nossa origem é trabalho do artista amador (aquele que faz por amor) comprometido com seu tempo, consigo mesmo, com o grupo e com a comunidade de que faz parte.
Alexandre Mate (Professor e pesquisador de teatro)
Texto publicado n'A Gargalhada nº 1 - Publicação do Buraco d`Oráculo
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